A doçura que perdemos

Ela olha. Ele sacode a pequena caixa de papelão, batendo junto à calçada de pedra fria. Ela acomoda-se no colo quente da mãe que ajeita as figuras de madeira enquanto passamos.
Ele olha. Busca acomodar-se. Uma enfermidade, da qual nada sei, há anos lhe acometeu. Desde muito menina, como ela, lembro de caminhar pelo calçadão do centro da cidade observando seu rastejar, de bruços, queixo levemente erguido do chão, tilintando algumas moedas na caixinha de papelão.
Faz alguns poucos anos, porém, que as mães guaranis escolheram a mesma calçada para sentar-se, o dia todo, com seus filhos a mostrar onças, macacos, jacarés, esculpidos em madeira. Há menos ainda, deixaram de sobreviver apenas do dinheiro recebido por eles. Esmolam, agora, também. Mais uma vez passo por eles. Muitos passam.
Ela olha, ele olha. Poucos vêem.
Um homem abaixa-se perto da caixinha, que ainda nem tilinta moeda alguma. É bastante cedo. Ele olha, na caixa, a bala deixada, de papel vermelho. E sorri. Começa a rastejar, com dificuldade. Por algum tempo. Empurra com a lateral dos calcanhares tortos, o peito sobre a laje fria. E rasteja. Empurra. Eles passam. Ele empurra o corpo e a caixa, carregando a bala dentro. Eles desviam. O tempo passa. Ele chega. Ela olha. Devagar, com a dificuldade de arrastar o braço longo ao longo do corpo, ele apanha a bala e estende. Ela sorri. Apanha a bala e retira o papel vermelho. Limpa, com o dedo, o nariz que escorre. E sorri. Ele sorri, fechando os olhos. Reinicia sua trajetória ao centro da calçada. E se arrasta. Nós andamos. Seguimos nossa trajetória. Ela olha. Nós não vemos. Chegaremos tarde. Nós corremos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que saudade!!!
Que bom ter notícias tuas!!!

Adorei teu blog... o texto te hoje está lindo, tocante... amei...

Coloquei o link no meu blog... que não tem textos lindos e inspirados, mas que serve ao menos para que eu tenha a lista de blogs inspirados que leio...

Parabéns!!!

Um grande beijo!!!

Karina